sábado, 22 de dezembro de 2007

Mensagem de Final de Ano

Nós, que vivemos em casas ou apartamentos, em bairros nobres ou nem tanto, e não em acampamentos nem nos viadutos, nem nas favelas ou nos hospícios, nem em creches, asilos ou orfanatos, nós que vivemos em residências de cujas janelas podemos ver a cidade em seus ofícios e vícios, ou as paisagens do campo e suas luzes, nós que sabemos cantar em prosa e verso, que podemos andar, sorrir, comer, temos a indústria e o comércio e conta nos bancos, nós que somos brancos, universitários, empresários, que nunca fomos à guerra nem despejamos mísseis, nós que podemos ver o mar, as ilhas, as aves, as montanhas, o céu belíssimo, as nuvens pretas, as estrelas, a amplidão do mundo, que temos mapas e astronomia, médicos e anestesia, hospitais e poesia, que podemos viajar, olhar vitrines e comprar, nós, ai nós, que sabemos ler e temos livros, temos fogões em nossas casas, temos cama, temos sexo e desejo, temos o beijo, nós que ouvimos música, que temos filhos com todos os dentes, escola, agasalho, nós que não somos curdos nem etíopes nem angolanos, que temos florestas, rios, terras, temos seca e temos chuva, temos quadros e gravuras, o luar do sertão e as araras, que choramos no cinema, que temos alma e lágrimas, mil caras, uma só, dedos sensíveis e crenças, amores secretos, jornalistas altruístas, padres guerrilheiros, músicos ardentes, escritores, jovens sonhadores, sindicalistas, líderes sem-terra à vista, violeiros repentistas, loucuras, alvará de soltura, uma terra com palmeiras onde canta o sabiá, que temos carro ou sapato sem furo, temos o passado e o futuro, nós que assinamos revistas e jornais, temos casa de campo, mesmo que seja a de um amigo, onde há cavalos e pirilampos, nós que jantamos à luz de velas, tomamos vinho e meio embriagados lemos poemas para os passarinhos, ou para as belas mulheres, ou para o ser que amamos, e amamos vários, nós que somos amados, que vamos à praia ou não vamos mas esperamos a praia vir a nós, que vestimos roupas e usamos um antigo anel de família que ainda não foi roubado, e que talvez nunca seja, que tomamos cerveja e vinho, que temos a confissão e o perdão, o futebol e o rock´n´roll, que acordamos tarde e não andamos de ônibus, que temos salário, renda fixa, emprego, família, paixão, nós que temos amigos, temos trabalho, fazemos exercícios, somos hedonistas, artistas, poucos, nós que fazemos cinema, que sentimos o perfume e temos sonhos, que adoramos ouvir estórias contadas por qualquer estranho, que dançamos alegres com as crianças, que gostamos de lareira e frio, sorvete e calor, o limpo e o macio, que sonhamos navegar tornando o mundo pequeno, que usamos biquínis e bermudas, desfilamos nas escolas de samba, que não somos da ralé nem da miséria, que especulamos e ganhamos mas também perdemos, nós que temos raízes, diretrizes, teatro, damas, atrizes, jogadores, senadoras, pai, mãe, irmãos, primos e tias, que temos vizinhos e amigos virtuais. Nós que temos muito de tudo, que muitas vezes fechamos os olhos para o mundo, que temos mais do que merecemos, que podemos mas não fazemos, que choramos pelo pouco que não temos. Nós, que somos engenheiros, advogados, médicos, administradores e reclamamos do governo, do síndico, do motorista do táxi e do jardineiro, ai de nós, perdoai-nos, às vezes somos os infelizes.

Que o Natal seja também um momento de reflexão para todos. Celebrem a vida, celebrem tudo que somos. Que o espírito solidário esteja sempre presente nos corações de cada um de nós e que se espalhe entre os povos.

Que 2008 seja ainda melhor.

* adaptação de um texto da escritora Ana Miranda